Decisão Texto Integral:
|
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO 1 – O arguido F. foi julgado no 1º Juízo Criminal de Oeiras e aí condenado, por sentença de 16 de Maio de 2003, como autor de um crime de condução em estado de embriaguez, conduta p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 meses de prisão e na proibição de conduzir veículos com motor pelo prazo de 1 ano. Nessa peça processual considerou-se provado que: «1. No dia 22 de Setembro de 2001, pelas 6 horas e 10 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula M..., na auto-estrada A-9, ao km 1,8; 2. O arguido tinha sido interveniente num acidente de viação; 3. Face a tal ocorrência, o arguido foi submetido ao teste de alcoolemia, efectuado no aparelho “Drager”, modelo 7110 MKIII, com o nº de série “ARRA-0022”, apresentando uma taxa de 1,95 g/litro de sangue; 4. Ao agir da forma descrita, conduzindo sob a influência do álcool, o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que tal conduta não lhe era permitida e que a mesma é proibida e punível por lei; 5. O arguido já respondeu, pela prática de dois crimes, ambos por “condução em estado de embriaguez”, no Tribunal de Lisboa, tendo sido condenado em penas de multa, embora os factos respeitantes ao último sejam posteriores aos destes autos[1]». 2 – O arguido interpôs recurso dessa sentença. A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes conclusões: «1 - O tribunal "a quo", por despacho de fls. 41 a 42 dos autos, interrompeu a audiência de julgamento, porquanto o arguido não se encontrava presente e por que tendo o mesmo antecedentes criminais, no âmbito de condução sob o efeito do álcool, era conveniente ouvi-lo. 2 - Assim, o Juiz "a quo" determinou que o arguido comparecesse em audiência de julgamento emitindo mandado de detenção que, com a data de 5 de Maio de 2003, foi enviado ao comando da PSP. 3 - Sendo certo que a continuação da audiência de julgamento foi designada para o dia 15 de Maio de 2003. 4 – Ora, no dia 15 de Maio de 2003 o arguido não se encontrava presente nem existia qualquer informação nos autos relativa ao mandado de detenção. 5 - Todavia, a audiência de julgamento foi concluída. 6 - A fls. 55, com a data de 19 de Maio de 2003, consta a devolução do mandado de detenção pela PSP alegando esta que não o pôde cumprir em tempo útil. 7 - Ora, o Tribunal entendeu dever ouvir o arguido para a boa decisão da causa. 8 - E tal só não sucedeu por não ter sido diligenciado pela PSP o cumprimento do mandado de detenção. 9 - Assim, não pode o arguido ser prejudicado no seu direito de defesa tal como resulta do artigo 32°, nº 1, da Constituição da República. 10 - Também o tribunal omitiu pronunciar-se sobre o despacho consignado a fls. 41 e 42 que considerava dever ouvir o arguido. 11 - A omissão de tal acto influi na boa decisão da causa, o que constitui uma nulidade, a qual se invoca (artigo 120° nº 2 al. d) do CPP). 12 - Por último, sempre seria possível o tribunal realizar da forma adequada e suficiente as finalidades da punição dando preferência à pena não privativa da liberdade e à pena acessória de inibição de conduzir (artigos 70º e 71º do Código Penal) 13 - A privação da liberdade do arguido poderá ter repercussões drásticas na sua vida familiar e profissional. 14 – Pois o arguido poderá ficar impossibilitado de pagar a mensalidade da cresce da sua filha menor e poderá ser despedido, caso venha a cumprir a pena de prisão. Com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser declarada a nulidade arguida e, caso assim não seja entendido, deverá ser substituída a pena privativa da liberdade». 3 – Esse recurso foi admitido pelo despacho de fls. 91.
4 – O Ministério Público respondeu à motivação apresentada (fls. 95 e segs.). 5 – Neste tribunal, o sr. procurador-geral-adjunto, quando o processo lhe foi apresentado, apôs nele o seu visto. 6 – Realizada audiência e produzidas as alegações orais, cumpre apreciar e decidir as seguintes questões suscitadas pelo recorrente: - A omissão de diligência essencial para a descoberta da verdade. - A escolha da pena principal e a determinação da sua medida. Porém, antes de nos debruçarmos sobre elas, haverá que verificar se, nas circunstâncias em que o foi, a audiência podia ter sido realizada sem a presença do arguido. II – FUNDAMENTAÇÃO 7 – Analisemos então esta última questão colocada. De acordo com o disposto no nº 1 do artigo 332º do Código de Processo Penal, «é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 333º, nºs 1 e 2, e 334º, nºs 1 e 2» do mencionado diploma. Por sua vez, estabelece a alínea c) do artigo 119º do referido código que constitui nulidade insanável «a ausência do arguido ..., nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência». Não estando nestes autos em causa nenhuma das situações previstas no artigo 334º, uma vez que a forma abreviada adoptada não se seguiu a qualquer prévia opção pela forma sumaríssima, nem o arguido se encontrava praticamente impossibilitado de comparecer na audiência, importa analisar se esta poderia ter sido realizada sem a presença do arguido por se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 333º do referido Código. De acordo com estes últimos preceitos, o prosseguimento da audiência sem a presença do arguido tem inevitavelmente como pressuposto que ele tenha sido «regularmente notificado» da data para ela designada. Embora essa notificação, porque o arguido tinha prestado termo de identidade e residência (artigo 313º, nº 3), pudesse ter sido feita por via postal simples, nos termos previstos no artigo 113º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, ela tinha de ser efectuada para a morada indicada pelo arguido para esse fim. Ora, a notificação da data em que se veio a realizar a audiência nestes autos foi feita não para essa morada mas para o local de trabalho indicado pelo arguido quando prestou termo de identidade e residência[2]. É o que resulta da análise do termo de identidade e residência junto a fls. 8 e dos documentos de fls. 34 e 38. Do termo de identidade e residência consta que o arguido indicou como residência e escolheu como local para efeitos de notificação por via postal simples a Av..., direito que lhe era conferido pelo nº 2 do artigo 196º do Código de Processo Penal. Para esse endereço foi, de resto, remetida a notificação de fls. 19 e 27, através da qual lhe foi dado conhecimento de uma anterior data designada para a audiência, data essa que, posteriormente, foi dada sem efeito. A partir desse momento, e sem que se perceba o motivo, o arguido passou a ser notificado por via postal simples para a morada correspondente ao local de trabalho que tinha na altura em que prestou o termo de identidade e residência. Foi o que aconteceu com a notificação das datas da audiência indicadas no despacho de fls. 33 (ver fls. 34 e 38), nas quais se inclui a data em que esta se veio efectivamente a iniciar. Depois dessa notificação e antes de ser proferida a sentença, mais nenhuma notificação ocorreu. Do próprio mandado de detenção emitido, que não chegou a ser cumprido pelo OPC, consta como domicílio do arguido o seu local de trabalho[3]. Assim, e uma vez que não se pode considerar que o arguido se encontrasse regularmente notificado da data da audiência e nela não esteve presente, não se pode deixar de considerar que foi cometida a nulidade insanável prevista na alínea c) do artigo 119º do Código de Processo Penal, a qual determina a invalidade da audiência realizada e, consequentemente, a da sentença que, na sua sequência, foi proferida. A declaração dessa nulidade obsta ao conhecimento das questões colocadas pelo recorrente na motivação apresentada. III – DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em declarar a nulidade da audiência realizada sem a presença do arguido e sem que ele para ela tivesse sido regularmente notificado, com a consequente invalidade da sentença que veio a ser proferida. Sem custas.
² Lisboa, 25 de Fevereiro de 2004 (Carlos Rodrigues de Almeida) (António Rodrigues Simão) (Horácio Telo Lucas)
_____________________________________________________________________ [1] Segundo o certificado de registo criminal, junto a fls. 30 a 32, para o qual a sentença implicitamente remete, o arguido foi condenado: - por sentença de 30 de Agosto de 1997, proferida no âmbito do processo nº 118/97.5GGLSB da 2ª secção do 1ª Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática, nessa mesma data, de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 500$00, fixando-se em 33 dias a duração da prisão subsidiária, e na proibição de conduzir pelo período de 30 dias; - por sentença de 5 de Março de 2002, proferida no âmbito do processo nº 1416/01.0STLSB da 1ª secção do 1ª Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, pela prática, no dia 15 de Outubro de 2001, de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292º do Código Penal na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 2 €. [2] Note-se que o arguido só se encontra obrigado a indicar ao tribunal a alteração da sua residência (artigo 196º, nº 3, alínea b), do Código de Processo Penal) e já não a alteração do seu local de trabalho. O próprio ónus de comunicar esta última alteração só existe se essa morada tiver sido por ele escolhida para efeitos de notificação (nº 2 e nº 3, alínea c), do mesmo preceito). [3] Quando, como parece resultar do expediente posterior, o arguido até já trabalhava numa outra empresa, em cuja sede veio a ser cumprido o mandado de detenção emitido para a notificação da sentença ao arguido.
|