O realizador João Botelho começa na quarta-feira, em Lisboa, a "volta a Portugal em cinema" com "Filme do Desassossego", a sua interpretação de uma obra de Fernando Pessoa.
Em vez de estrear no circuito habitual das salas comerciais, o filme será exibido em cineteatros de todo o país como se se tratasse da digressão de uma peça de teatro ou de um músico, disse João Botelho à agência Lusa.
A primeira exibição está marcada para quarta-feira no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, onde ficará em cartaz também de sexta-feira a domingo, no pequeno auditório.
Na estreia estarão presentes João Botelho e alguns actores que participaram no filme.
João Botelho escolheu esta forma de exibição, porque "Filme do desassossego" é "demasiado precioso para ser ouvido com coca-colas, pipocas e telemóveis em centros comerciais", disse, embora tenha explicado que não quer recorrer a este modelo para os próximos filmes.
"Filme do desassossego" é uma adaptação de "O livro do desassossego", escrito por Bernardo Soares, um dos heterónimos de Fernando Pessoa, e nele o realizador quis preservar a palavra original.
O fio narrativo do filme concentra-se em três dias e três noites e conta com cerca de quarenta actores em curtas participações, como Rita Blanco, Alexandra Lencastre, Miguel Guilherme, Catarina Wallenstein, Laura Soveral, Margarida Vilanova, Ricardo Aibéo, Manuel João Vieira e Marcelo Urghege.
Todos eles dão corpo aos pensamentos de Bernardo Soares, enquanto este divaga por Lisboa.
O actor Cláudio da Silva é o protagonista do filme, interpretando Bernardo Soares, o ajudante de guarda-livros que, entre desabafos, lamentos e constatações, vai revelando os pensamentos fragmentados do seu desassossego.
No filme, há ainda uma ópera de Eurico Carrapatoso, "Marcha fúnebre para o rei Luís II da Baviera", canções de Caetano Veloso e presenças musicais de Lula Pena e dos fadistas Ricardo Ribeiro e Carminho.
Depois do CCB, "Filme do desassossego" será exibido de 7 a 9 de Outubro no Teatro Nacional São João, no Porto, seguindo-se um périplo por 26 cidades, como Famalicão, Odivelas, Braga, Almada, Vila Real, Tavira e Guimarães.
Administração Regional de Saúde do Alentejo, I. P. - Aquisição de:1 armário persiana; 2 mesas de computador; 3 cadeiras c/rodízios, braços e costas altas: 97.560,00€
Eu não sei a quanto está o metro cúbico de material de escritório mas ou estes armários/mesas/cadeiras são de ouro sólido ou então não estou a ver onde é que 6 peças de mobiliário de escritório custam quase 100 000€. Alguém me elucida sobre esta questão?
Câmara Municipal de Loures - VINHO TINTO E BRANCO: 652.300,00 €
Alguém me explica porque é que a Câmara Municipal de Loures precisa de mais de meio milhão de Euros em Vinho Tinto e Branco????
Municipio de Vale de Cambra - AQUISIÇÃO DE VIATURA LIGEIRO DE MERCADORIAS: 1.236..000,00 €
Neste contrato ficamos a saber que uma viatura ligeira de mercadorias da Renault custa cerca de 1 milhão de Euros. Impressionante.
Câmara Municipal de Sines - Aluguer de tenda para inauguração do Museu do Castelo de Sines: 1.236.500,00 €
É interessante perceber que uma tenda custa mais ou menos o mesmo que um ligeiro de mercadorias da Renault. E eu que estava a ser tão injusto com o município de Vale de Cambra.
7,698.42€ foi comprada por mais de 6,5 milhões de Euros. E ninguém vai preso por merdas como esta?
Agência para a ModernizaçãoAdministrativa, IP - Renovação do Licenciamento de software Microsoft: 14.360.063,00 €
E para finalizar, a pérola do software proprietário. Não admira que a Microsoft goste tanto de Portugal.. Mais de 14 milhões de Euros em licenças...
"Não procurem os hematomas. Tenho a pele bastante dura." Foi desta forma que o Nobel da Literatura, José Saramago, iniciou a sua intervenção no lançamento oficial da sua mais recente e polémica obra, ‘Caim’, que decorreu ontem na Culturgest, em Lisboa. Num discurso repleto de ironia sempre que abordava temas ligados à Igreja Católica, o escritor levou às gargalhadas o auditório quando referiu que "é preciso amor e truca-truca", numa explicação do seu ponto de vista sobre a criação divina do Universo.
Apesar de ter deixado claro que não queria falar mais sobre polémicas, Saramago afirmou que se congratula por ter contribuído para o disparar de vendas de exemplares da Bíblia nas últimas semanas e referiu ainda estar imune a todas as acusações, uma vez que, "enquanto existir um edifício assustador chamado Igreja Católica", essas acusações continuarão. Porém, os ataques ao catolicismo não se ficaram por aqui: o Nobel da Literatura ‘aconselhou’ a Igreja a colocar ao lado dos leitores da Bíblia um teólogo, para que não haja "ideias erradas" sobre o livro sagrado.
No final da sua intervenção, aplaudida entusiasticamente por um auditório que se encheu para o ouvir, José Saramago deixou no ar o tema da sua próxima obra. "Porque nunca houve uma greve numa fábrica de armas?", questionou o escritor.
Amália Rodrigues faleceu há dez anos mas conseguiu atingir a imortalidade através do Fado. Ao ponto que é impossível falar do Fado sem falar de Amália. Levou esse estilo bem português aos quatro cantos do mundo e encantou-os. Transportou esse sentimento que o fado carrega para outros idiomas. Representou-nos e não nos defraudou. Compreender Amália é comprrender o Fado e compreeder esse sentir dos portugueses. Amália não era uma pessoa triste. Os portugueses não são pessoas tristes. Que fique claro. Temos, sim, uma maneira muito própria de expressar os nossos sentimentos. Essa incompreensão levará ao inevitável esteriótipo.
O Bom Português nunca esquecerá aquela troca de sorrisos quando Amália veio à varanda saudar os estudantes numa manisfestação contra a agora inexistente PGA (Prova Geral de Aferição). E apetece-me dizer que "todos nós temos a Amália na voz. E temos na sua voz a voz de todos nós". Um adeus eterno e uma eterna saudade.
Hoje é feriado em Portugal. Celebra-se o 5 de Outubro. Dia da implantação da república que ocorreu em 1910. O rei foi assassinado e toda a sua máquina governativa foi deposta. Por isso, compreendo que esta data não tenha sido celebrada na época e que muitos dos actuais seguidores da monarquia não a celebrem também. Já passaram quase cem anos. Vivemos no que chamos a 2º República que surgiu após o fim da ditadura de Salazar que foi o resultado do fracasso da 1ª República. Longe do debate do ínicio do século, os defensores dos antagónicos sistemas governativos parecem levantar de novo o debate. A conjuntura económica, política e social actual pouco tem da do início do século mas ainda assim parece haver alguns ódios intestinais. O Bom Português apresenta em seguida dois artigos retirados do jornal i para que o leitor entre no debate.
É possível haver democracia numa monarquía? Claro que é. A mais velha democracia do mundo tem uma rainha e até tem uma Câmara dos Lordes. Nada de novo: as democracias sempre conviveram com elementos antidemocráticos vindos do passado. O que é antidemocrático na causa monárquica é isto: contraria a ideia simples de que todos nascemos livres e iguais. Aceitar que uma família pode ser o símbolo de uma nação, por mais incapazes ou impopulares que sejam os seus elementos, é negar os fundamentos da democracia. Aceitar que eu e o meu caro leitor estamos impedidos, por não termos o sangue certo, de chegar à chefia de Estado do nosso país é, mesmo que pareça inofensivo, uma violência política.
É também a negação do mérito. E isso explica porque entre os monárquicos estão, maioritariamente, descendentes de famílias que foram aristocratas. A nostalgia que sentem é a de um tempo em que o seu valor era indiferente ao que faziam ou contruiam na vida. E não me venham falar de monarquias liberais ou constitucionais. O resultado lógico do fim do governo do rei seria, como foi em quase todo o lado, o fim da própria monarquia e dos seus símbolos anacrónicos. Em alguns países com problemas de coesão nacional (Reino Unido, Bélgica, Espanha), eles sobreviveram como instrumento de unidade contra os perigos do voto. Podemos compreender. Mas é apenas um mal menor dispensável em Portugal.
Quando fazemos do Presidente o símbolo da nação, fazemo-lo porque ele representa o povo materializado através do voto e da escolha do melhor entre os seus. Em democracia, que é a única forma de governo republicano legítima, o presidente representa a unidade depois da divisão, do debate e da escolha. Numa monarquia, o rei representa a continuidade de um privilégio, a ausência de debate e confronto, a unidade imposta e vinda do passado. Numa república, a nação é o seu povo na figura do presidente. Numa monarquia, o povo é a sua nação na figura do rei. Por isso, numa república, o cidadão comum é elegível para todos os cargos. Por isso, numa monarquia, o cidadão comum está condenado à condição de súbdito.
O que os rapazes do 31 da Armada, todos com nomes sonantes e cheios de história, exigiram quando treparam à varanda dos Paços do Concelho foi que lhes fossem devolvidos os privilégios do passado. Não serão. Que me lembre, nunca nenhuma república passou a monarquia na vigência de uma democracia. Porquê? Porque nós, os plebeus, somos a maioria. E a maioria de nós, de sangue apenas vermelho, prefere escolher entre os seus quem melhor a represente. Já passaram quanse cem anos. Já se podiam ter habituado à ideia.
Rodrigo Moita Deus[ii]: A luta continua, o rei para a rua!
Em Portugal não há republicanismo.Nem doutrina republicana.Nem sistema republicano. O que existe é uma longa tradição antimonárquica.
Sim. É verdade. Os monárquicos são uma minoria. Dez por cento dos portugueses. Se tanto.Os republicanos são outra minoria. Dez por cento dos portugueses. Se tanto.
Os outros 80% são “marimbistas”. Ou seja, estão a marimbar-se. O que não é bom. Nada bom mesmo.
Dez por cento são republicanos – e duvido que o sejam mesmo. Em Portugal não há republicanismo. Nem sistema republicano. Nem doutrina republicana. O que existe é uma longa tradição antimonárquica. A vantagem de um sistema republicano, dizem eles, é evitar as desvantagens de um sistema monárquico.
E por isso mesmo não se consegue discutir a questão do regime. Os argumentos não giram em torno da bondade das propostas. Os argumentos giram em torno dos palácios dos marqueses, das herdades dos duques e das fortunas dos condes. Discutimos a vida dos outros, os seus privilégios e a sua vida. A sua qualidade de vida.
Cento e sessenta anos depois da publicação do “Manifesto Comunista”, discutimos a questão monárquica como se fosse o derradeiro episódio da eterna luta de classes. Discutimos sempre a aristocracia. Luta de classes. À antiga marxista. O que não deixa de ser irónico.
Cem anos depois, os únicos que têm palácios, herdades e fortunas são os comendadores da república. E aqueles que mais brincam com os anéis de brasão herdam orgulhosamente medalhinhas republicanas.Mais recentemente até se instituiu o hábito de herdar círculos eleitorais.
À semelhança de todos os sistemas que acreditam na luta de classes, a república tem uma estranha forma de lidar com a redistribuição de riqueza. Tal como tem uma estranha forma de lidar com a democracia.Porque na luita de classes há sempre “ intelectuais” que devem “guiar” o proletariado e o campesinato analfabeto.Os mesmo “intelectuais” que proibiram constitucionalmente os portugueses de escolher entre monarquia e república. Eles sabem o que é melhor para nós. Para o povo. E em quase cem anos fica o regime a dever-nos 16 de caos, 41 de ditadura e três de PREC.
Assim vamos. Guiados pelos intelectuais do outro século. Pelos preconceitos do outro século. A discutir a questão do regime como se estivéssemos a falar da revolução industrial. Tenho más notícias: os tempos mudaram. E, um destes dias, temos mesmo de discutir a questão.
Bem sei. Temos assuntos mais urgentes para tratar. A crise, o défice, a gripe e os laterais do Benfica. Tudo é mais urgente.A forma de Estado é importante mas não é urgente. E o urgente nunca deixa tempo para o que é importante.Mas andamos de urgência em urgência há noventa e nove anos. E não consta que tenha resultado.
[i] É colunista do semanário “Expresso” e do “Record”, comentador do Eixo do Mal, na SIC/Notícias, ex -jornalista e fundador do Bloco de Esquerda, partido de que foi dirigente.
[ii] Tem 31 anos e 3 filhos. Foi jornalista, passou pela Assembleia da República, pela Fundação Champalimaud – e hoje é consultor na LPM. É um dos editores fundadores do blogue 31 da Armada e esteve envuelto no episódio da bandeira na Câmara de Lisboa.
A Arte Nova foi tardia e de pouca duração em Portugal. Teve início por volta do ano de 1905 e terminou 15 anos mais tarde em 1920. Os princípios estéticos adoptados pela Arte Nova portuguesa era semelhantes ao do estilo que já proliferava na Europa; a influência francesa foi a que mais se fez notar nas construções deste estilo no território português. A aplicação da Arte Nova em Portugal deveu-se sobretudo à acção da burguesia urbana, que nas cidades de Lisboa, Porto e Aveiro, desenvolveram edifícios marcantemente deste estilo. A aparição de obras Arte Nova no país deveu-se à pura continuidade artística.
A cerâmica foi certamente a arte mais afectada pela Arte Nova. O conceito de objectos cerâmicos baseados na ideia naturalista da Arte Nova tiveram como cede as Caldas da Rainha. Pratos em forma de alface ou couve, terrinas em forma de abóbora ou mesmo travessas com o formato de peixe são alguns exemplos de uma extensa lista louça das Caldas. Ainda hoje em dia são produzidos esses muito populares objectos.
No último quartel do século XIX, do mesmo passo que o balneário termal caldense se tornava o mais concorrido do País e a vila um dos mais atractivos centros de vilegiatura, a louça das Caldas, um tipo de faiança fundamentalmente decorativa inspirada em motivos naturalistas, constituía-se como a principal indústria local.
Em 1886, Ramalho Ortigão referiu-se à «tradicional indústria das Caldas», a expressão é dele «cujos antigos modelos preciosos, constituindo um importante museu, se perderam por desleixo e delapidação com os despojos do convento da Madre de Deus». Nos finais do século XVIII e princípios do século XIX essa «indústria» atingira um ponto alto, seguindo-se uma decadência que só a entrada em cena de Rafael Bordalo Pinheiro, dois anos antes, permitira, na opinião deste Autor, interromper. Ramalho refere-se ainda à «encantadora tradição», naturalista, que gostaria de ver convertida à modelação ao vivo dos animais e plantas, isto é «insuflada da energia palpitante de talento criativo» e apoderada pela «tríplice ciência do escultor, do colorista e do decorador» Bordalo Pinheiro.
Entre as qualificações da olaria caldense, que apesar de tudo não se teriam perdido, ramalho salienta: «uma notável facilidade de imitação em grosso, e um vidro incomparável cobrindo todos os produtos de um brilho luminoso, irisado, com um reflexo de água tepidamente ao sol, banhando e envolvendo o barro como um inducto Diamantino, translúcido, deslumbrante, maravilhoso».
Essas características criaram a marca distinta da produção cerâmica local e fizeram o seu êxito comercial.
Chama-se Sumário de Questões sobre os Céus. É um documento de 100 páginas, com prefácio. E a estrutura do texto vem no formato de perguntas - colocadas por um chinês - e de respostas - dadas por um ocidental com conhecimento de astronomia. O ocidental era um padre jesuíta português, chamado Manuel Dias. E foi ele quem apresentou Galileu e as suas descobertas à China, em 1614, apenas três anos depois de o trabalho de Galileu ter sido publicado.
Há dez anos que Henrique Leitão, investigador do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia, andava atrás deste documento e do contributo de Manuel Dias para o conhecimento da astronomia e dos achados de Galileu na China. Sabia da existência do documento, onde o jesuíta Manuel Dias contava como funcionava o telescópio de Galileu e o que o mestre italiano teria descoberto sobre as maravilhas do Universo. "É um texto que está em todas as bibliotecas imperiais chinesas, o original é de 1615. Mas foi reeditado até ao século XIX, o que significa que teve imenso impacto na cultura chinesa. Notícias de que havia este texto existem desde o princípio do século XX. Mas nenhum português pensou: vamos lá ler o que vem aqui escrito."
Mas, tratando-se de um documento em chinês, Henrique Leitão precisava de alguém que lesse chinês clássico e soubesse de história da ciência para o poder interpretar. Lembrou-se então de um antigo colega de liceu, chamado Rui Magone. Não se viram durante anos. Voltaram a ver-se em Berlim em 2002 e trocaram as perguntas do costume. Henrique Leitão dedicava-se então à física. Mas a história da ciência, que haveria de o ocupar em exclusivo, tentava-o. Rui Magone contou como tinha chegado ao estudo do chinês e da cultura chinesa. Quando Henrique Leitão decidiu dedicar-se ao documento de Manuel Dias, lembrou-se então do sinólogo amigo de liceu. Rui Magone precisou de cinco horas para uma primeira leitura do documento em chinês clássico.
Investigador do Max Planck Institute de História das Ciências, Magone aproveitou uma visita este mês a Lisboa - para uma conferência na Universidade Católica sobre a sua especialidade, o sistema de exames chinês (a forma antiga para seleccionar os intelectuais chineses) - para se dedicar ao estudo aprofundado deste documento, juntamente com Henrique Leitão.
"É incrível como em Portugal ninguém sabe disto. Para Portugal, no ano em que se comemora o Ano Internacional da Astronomia, 400 anos depois das primeiras observações de Galileu, esta é a história mais importante que se podia revelar."
Henrique Leitão frisa a própria estrutura do texto como um dos aspectos mais interessantes do documento: "Já existiam documentos de autores ocidentais sobre astronomia traduzidos na China no século XVII. Mas este é mais vivo, é uma conversa", diz Henrique Leitão, enquanto folheia a cópia do documento de Manuel Dias, enviada pela Academia Sínica, a grande instituição de investigação de elite chinesa. "Mostra que os jesuítas sabiam o que interessava aos chineses sobre a astronomia ocidental."
E o que é que interessava aos chineses? "Por exemplo, na China havia um interesse enorme pela previsão de eclipses. Um eclipse que não estivesse previsto era encarado como um mau sinal, como se o céu não estivesse contente com os imperadores e mandassem aquele recado do céu", explica Rui Magone. O que é a Terra, o horizonte, a latitude e longitude, o equador celeste, são algumas das noções explicadas na sequência de perguntas e respostas do documento de Manuel Dias.
"Tem tabelas com as várias latitudes na China. São as primeiras tabelas destas na China. Não havia ainda a noção de latitude na cosmografia chinesa", conta Henrique Leitão folheando as páginas, nas quais só consegue descodificar as imagens, como uma criança que folheia um livro ilustrado. "São perguntas e respostas que revelam o conhecimento do comunicador e aquilo que o interlocutor ansiava por saber", diz o investigador.
A fotocópia do documento que folheia em cima da mesa, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, é uma reedição do século XVIII. Mas ainda não desistiu de encontrar a primeira edição. "Andamos atrás dela. Ou está em Oxford ou na Biblioteca do Vaticano", diz, referindo que, para além de estar presente nas bibliotecas pessoais dos imperadores chineses, este documento deve ter exemplares em bibliotecas europeias. "Mas nunca foi procurado com cuidado na Europa."
Henrique Leitão volta a centrar-se numa imagem, a de um círculo, com dois outros pequenos círculos que o orbitam, exemplificando um dos maiores achados de Galileu, as fases de Vénus, que desmontavam o sistema de Ptolomeu e sustentavam a teoria heliocêntrica apresentada por Copérnico.
No final do documento lá vem a alusão às observações feitas por Galileu, em 1611. Rui Magone ajuda a descodificar para lá das imagens: "Refere-se nas últimas páginas a um sábio ocidental famoso que revelou segredos do Sol, da Lua e outros objectos, mas que, com os olhos já frágeis, construiu um instrumento para os observar", conta o sinólogo. E Manuel Dias prometia relatar mais novidades sobre o assunto assim que lhe chegassem mais dados.
A Aula da Esfera
No início do século XVII, a Companhia de Jesus dominava a educação no mundo com uma enorme rede de jesuítas dedicados ao ensino, quase 700. O ponto central da rede localizava-se em Roma e, a partir daí, multiplicava-se em vários ramos, ou assistências. Uma dessas assistências, a portuguesa, propagou-se pelo mundo todo, do Brasil à China, passando pela Índia, Japão e Timor.
"Era a maior assistência dos jesuítas e a que tinha menos efectivos, pelo que tiveram de importar estrangeiros", conta Henrique Leitão sobre o recurso na altura a jesuítas italianos, que divulgaram precocemente em Lisboa os feitos dos sábios da época, entre eles Galileu.
Um desses jesuítas, Giovanni Paolo Lembo, que era até amigo pessoal de Galileu, chega a Lisboa em 1614 e no ano seguinte já ensinava na "Aula da Esfera", a aula de Matemática do colégio jesuíta de Santo Antão. Os apontamentos portugueses de Lembo são mesmo famosos, porque têm as mais antigas instruções conhecidas no mundo sobre a construção de telescópios.
Henrique Leitão e Rui Magone explicam que terá sido este conhecimento tão profundo dos jesuítas em Portugal em relação aos feitos de Galileu que fez com que as descobertas do sábio fossem tão precocemente reveladas em Lisboa, e depois no mundo, através da rede da Companhia de Jesus.
Manuel Dias, que nasceu em Castelo Branco em 1574 e que ingressou na Companhia de Jesus em 1593, estudou Filosofia em Coimbra antes de partir para a Índia, Macau e entrar na China em 1610. Chegou a Pequim em 1613, onde redigiu o Sumário de Questões sobre os Céus. Ironicamente os jesuítas na China estavam proibidos de ensinar disciplinas não religiosas, como a Astronomia ou a Matemática. Entre 1625 e 1635 Manuel Dias foi a autoridade máxima da companhia na China. Morreu a 4 de Março de 1659.
"Como é que é possível que alguém em Pequim tenha sabido disto em 1614, quando estas observações de Galileu são de 1611, apenas três anos antes?", questiona Henrique Leitão, acentuando o papel do documento de Manuel Dias. Até ao século XX, quando um chinês queria informar-se sobre Galileu, era este texto de Manuel Dias que lia. "E em Portugal ninguém liga", observa sobre o papel deste jesuíta, que não se resume a este documento. "O primeiro globo da China é feito por Manuel Dias e pelo italiano Nicolau Longobardo. É de 1623, quando ainda não havia noção na China de que a Terra era esférica. A toponímia é toda portuguesa. Ainda existe e está na British Library."