por LUÍS MANETA, Évora
O Ministério da Agricultura diz que é impossível saber quais as maiores herdades do País. Mas ninguém tem dúvidas de que a maior é a Companhia das Lezírias, sociedade anónima de capitais públicos.
"Então e quando é que vamos ter chuva?" A pergunta dirigida por Vítor Barros, presidente da Companhia das Lezírias, a um dos colaboradores da maior propriedade agrícola do País traduz as preocupações do gestor com a crescente falta de pastos para alimentar um rebanho com mais de 4500 cabeças de gado.
"As pastagens estão secas. Bastava uma chuvinha e o problema resolvia-se", diz Vítor Barros ao DN, durante uma visita pelo interior da propriedade. São cerca de 20 mil hectares. Por caminhos de terra batida, entre florestas de montado, arrozais, pequenas barragens e vinhas, é possível andar um dia inteiro "sem encontrar ninguém". Trata-se de um gigantesco pulmão verde às portas de Lisboa, onde se pratica uma agricultura "compatível" com os equilíbrios ambientais e com a biodiversidade. Mais de dez mil hectares encontram-se integrados na Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo.
"Temos tudo biológico e em produção integrada", resume o gestor, explicando que a empresa tem vindo a apostar nas sementeiras directas e em prados biodiversos como forma de enriquecer os solos, fixar matéria orgânica e retirar carbono da atmosfera. "É uma área na qual trabalhamos com grande entusiasmo. Estamos situados numa zona de elevada densidade populacional, com muito trânsito, e é extremamente importante a existência de espaços que fazem o sequestro do carbono produzido por outras actividades."
Vítor Barros tem as contas bem feitas: entre os gases com efeito de estufa produzidos na exploração agrícola e os retirados da atmosfera, a Companhia das Lezírias tem um saldo positivo de cem mil toneladas por ano. "Oferecemos à Grande Lisboa um importante sumidouro de carbono."
Em Portugal, nenhum departamento do Estado possui qualquer listagem com a dimensão das propriedades agrícolas. Diz o Ministério da Agricultura que é impossível saber, ao certo, quais as maiores herdades do País. "Isso apenas é feito para os subsídios atribuídos. Não existe uma listagem relativa à dimensão das explorações", garante fonte do gabinete do ministro Jaime Silva. Ainda assim, ninguém tem dúvidas: a maior das maiores é a Companhia das Lezírias, gerida por uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
A dirigir a empresa desde finais de 2005, Vítor Barros confessa que só por uma vez se perdeu nos labirínticos caminhos que conduzem aos diversos sectores de produção, numa área de 200 quilómetros quadrados. "Ainda por cima foi quando aqui vieram dois colegas de curso e andámos por aí às voltas, de jipe, à procura de um ponto de referência."
Não é tarefa fácil. Só a área dos arrozais estende-se por 1100 hectares, com uma produção próxima dos sete milhões de quilos por ano. Uma parte significativa é embalada e comercializada juntamente com outros 33 produtores de arroz da região que, em Novembro, irão lançar para o mercado um produto com indicação geográfica de origem - o Arroz Carolino das Lezírias Ribatejanas. O restante é vendido para outras empresas, incluindo os maiores fabricantes de papas para bebés.
Foi no rescaldo da guerra civil entre liberais e absolutistas, com a subida ao trono de D. Maria II, que nasceu a Companhia das Lezírias do Tejo e do Sado, formada por um vasto conjunto de propriedades com cerca de 48 mil hectares, entre a Golegã e a Comporta, pertencente às Casas da Rainha, da Coroa e do Patriarcado. Com as finanças públicas completamente exauridas, todo este império foi vendido em hasta pública a um grupo de capitalistas, como forma de obter o que hoje em dia se define como "receitas extraordinárias".
Ao longo dos anos, as dificuldades económicas levaram ao desmantelamento da propriedade inicial. O primeiro grande núcleo a ser vendido, em 1925, foi o da Comporta, cujos cerca de 16 mil hectares foram adquiridos pelo grupo inglês Atlantic Company.
A seguir ao 25 de Abril, e já com uma comissão de trabalhadores a tomar conta da empresa, ocorre uma grande venda de terrenos aos rendeiros da Golegã. Pouco depois, a 13 de Novembro de 1975, a empresa é nacionalizada e, três anos depois, transformada em empresa pública.
"Uma constante na história da Companhia das Lezírias foram as muitas dificuldades financeiras", sublinha Vítor Barros, salientando que nos últimos anos o cenário inverteu-se, passando a ser um negócio "rentável" para o Estado. Em 2008, por exemplo, e apesar do aumento dos custos de produção, como rações e adubos, e da diminuição do preço dos produtos agrícolas, sobretudo da cortiça, carne e milho, os resultados positivos ascenderam a 400 mil euros. No ano anterior, haviam sido de 1,2 milhões de euros.
"As nossas grandes receitas são as provenientes da cortiça, da carne de bovino, do vinho e do arroz", refere o gestor, apostado em prosseguir uma gestão com base na "diversificação controlada" de actividades agrícolas e pecuárias. "Não podemos ir a tudo." Ainda assim, nos últimos três anos foi concretizado um investimento de 6,5 milhões de euros. "Demos a volta à floresta, plantámos olival e vinha, construímos uma nova adega e nivelámos o terreno das explorações de arroz." A ideia é aumentar a produtividade, preparando a empresa para enfrentar o desafio do fim dos subsídios agrícolas, previsto para 2013.
"Do ponto de vista do ordenamento do território, privatizar a Companhia das Lezírias poderia ser criminoso", sustenta Vítor Barros, recordando que, para além da produção de bens alimentares, da aposta na inovação e na responsabilidade social, a empresa tem à sua guarda 20 mil hectares de terrenos, grande parte dos quais situados em cima do maior aquífero de abastecimento de água à grande Lisboa.
"Estamos a fazer uma agricultura que não utiliza lixívia, nem manda azotos para os aquíferos nem destruímos os valores naturais da propriedade. Este é um tampão ao avanço da urbanização para a zona ribeirinha", sustenta, orgulhoso, aquele responsável.
Obrigado Leão