No princípio dos princípios, o mundo era só de mulheres. Elas lavravam, caçavam, construíam e a vida florescia. Os seres humanos, como a flora, nasciam do solo. Bastava semear uma aboboreira e as abóboras abriam-se como ovos de galinha, deixando sair as mulheres mais lindas do planeta. Um dia, uma das mulheres caçou um ser estranho. Parecia gente, mas não tinha mamas. Tinha cabelo no queixo e, contrariamente aos outros bichos, tinha uma cauda curta à frente e não atrás. Prenderam aquele ser e levaram-no à rainha. A rainha olhou, espantou-se. Mandou lavar aquele animal e trazê-lo para junto dela. O animal tinha magia. Só o olhar dele provocava umas massagens concêntricas no coração, no peito, na mente. Quando lhe tocava, o sangue corria e o coração batia. A rainha deu por si a executar a dança da lua e da cobra com os lábios suspirando poemas nunca antes recitados. Da cauda do animal cresceu uma serpente, tímida, violenta, que derrubou a rainha à procura de um abrigo para esconder a cabeça. Encontrou um subterrâneo, entrou de imediato e se escondeu. A rainha estremeceu e rendeu-se. Soltou o primeiro suspiro de amor e descobriu que o animal era, afinal, um homem. Ela começou a engordar, a engordar e nunca mais conseguiu caçar. Passado um tempo, um filho nasceu.
O animal foi ao seu reino e falou da sua descoberta. Afinal ele também era rei. Convidou os seus para uma expedição àquele país de maravilhas. Os homens vieram, colonizaram todas as mulheres e instalaram-se como senhores. Foi assim que surgiu o primeiro amor e o primeiro ódio. Recebidos com amor, roubaram o poder às mulheres e por isso foram condenados a caçar cada vez mais longe e a trabalhar cada vez mais para sustentá-las.
Paulina Chiziane in O Alegre Canto da Perdiz
publicado por RiViPi às 23:27