O complexo do Mosteiro dos Jerónimos viu o lançamento da sua primeira pedra ocorrerem em 1501. Construído para comemorar a gesta dos Descobrimentos, por iniciativa de D. Manuel, o seu verdadeiro nome é Mosteiro de Santa Maria de Belém. Classificado em 1983 pela UNESCO como Património da Humanidade, o monumento teve uma vida agitada ao longo do seu meio milénio de existência – muito do seu património original foi sendo disperso, roubado, destruído, aviltado por reconstruções e remodelações.
Quando as ordens religiosas foram extintas, em 1833, os frades foram expulsos e a recém-criada Casa Pia ocupou parte das suas celas.
Em 1867, o Governo encarregou os italianos Giuseppe Cinatti e Achille Rambois de remodelar a fachada principal dos Jerónimos. Os dois tinham sido contratados para o Teatro de São Carlos, mas apenas como cenógrafos. Essa escolha gerou, desde logo, alguma polémica junto da opinião pública.
Em 1875, dá-se o início da construção da Torre do Relógio. O projecto de Rambois e Cinatti previa três corpos sobrepostos, com mais de cem metros de altura. O mosteiro dos Jerónimos sempre tivera um relógio na sua fachada, como o demonstram algumas gravuras antigas. Com a nova torre pretendia-se que a zona de Belém ganhasse um novo símbolo de tempo público.
Em 1880, a princesa Maria Rattazzi (descendente de Napoleão) escreve as suas célebres impressões sobre um país que ela considerava miserável e sujo. Sobre os Jerónimos, disse: “ O claustro de estilo mourisco tem esculturas tão perfeitas que apetece ali passar dias em êxtase. Parte do mosteiro foi mandado reedificar há anos. Em Portugal como nada se faz como no resto do mundo, confiou-se a obra a um cenógrafo. Ele projectou uma enorme torre quadrada, pesada e sem gosto, que acabou por desabar”.
Pois foi a 18 de Dezembro de 1878, na manhã de um dia chuvoso, que o desastre ocorreu. “Acaba de cair a torre dos Jerónimos, em construção. Mortes. Grande terror”, foi este o teor do telegrama que chegou poucos minutos depois do acidente à redacção do Diário de Notícias. Na primeira página, no dia seguinte, O DN dá pormenores sobre o desastre, fala da presença do rei D. Luís e dos príncipes no local. E das dezenas de milhares de “mirones” que ali foram acorrendo ao longo dos dias seguintes.
Nos escombros, tinham ficado oito corpos. Uns tantos feridos tinham sido levados de urgência para o Hospital de São José. O Diário de Notícias diria, mais tarde, que a derrocada se teria dado devido ao facto de as obras não terem sido cobertas – a chuva tinha caído com abundância e infiltrado por cima da estrutura. Outros relatos na imprensa falaram de uma desabamento da Torre do Relógio “espapando-se como um monumento feito de ovos e açúcar numa confeitaria da Baixa, ficando reduzido a ruínas”.
A polémica continuou nas décadas seguintes – a soma astronómica gasta na remodelação, mais de 200 mil reis, tinha ido para o entulho. Só no início do século XX as ruínas foram demolidas e o entulho removido, e a reconstrução do corpo central do edifício arrasta-se ao longo de décadas. De uma Torre do Relógio, nunca mais se ouviu falar.